Enólogos temem repercussão do caso de trabalho análogo à escravidão para reputação do vinho brasileiro

É tempo de vindima nas vinícolas brasileiras. Mas a época festiva de colheita da uva para a produção de vinho ganhou notas amargas nos últimos dias. A notícia do resgate de pouco mais de 200 trabalhadores em condições análogas à escravidão na região de Bento Gonçalves (RS) chocou consumidores e o mundo da gastronomia. Além da indignação com o fato, há o temor de como o envolvimento do nome de algumas das principais vinícolas brasileiras no caso irá refletir no mercado de vinhos nacionais.

De acordo com informações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), as vítimas eram contratadas pela Fênix Prestação de Serviços. A empresa de terceirização de mão de obra tinha contratos com três grandes produtoras de vinho no Brasil: Aurora, Salton e a Cooperativa Garibaldi.

Segundo relatos, os homens trabalhavam diariamente por mais de 15 horas sem intervalos e com apenas uma folga na semana. A denúncia também fala em alojamentos em péssimas condições, comida estragada, cobranças abusivas e até agressões físicas, com choques elétricos e spray de pimenta por parte da contratante principal, a Fênix. O caso está sendo apurado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal (PF) e pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Em notas oficiais, as vinícolas afirmam que não tinham conhecimeto de tais práticas e que estão prestando solidariedade e atendimento aos trabalhadores resgatados. De acordo com a lei trabalhista, mesmo que indiretamente envolvidas, as vinícolas são co-responsáveis pela situação dos trabalhadores. E, para além disso, ver os nomes de importantes players do mercado envolvidos num caso como esse causa desconfianças sobre a cadeia de produção de vinhos nacionais como um todo.

Nas redes sociais, o que se fala é em luto no vinho brasileiro e imagens associando a produção de vinhos no país ao trabalho escravo surgem em alusão ao caso. Entre enólogos, produtores e especialistas da área, os reflexos na reputação e no mercado do vinho nacional preocupa. O principal medo é da generalização.

“O vinho tem um trajetória linda no Brasil e não se pode deixar que a ação de apenas três vinícolas manche a dedicação de mais de 500 anos de história”, diz a sommelière e professora da Chef Gourmet Santa Felicidade, Lindslei Monteiro Antunes. Ela defende que não se pode generalizar um possível erro de três empresas num universo de mais de mil vinícolas brasileiras.

A jornalista e sommelière Patrícia Ecave segue o mesmo o tom. Patrícia diz que a situação é lamentável, mas alerta que outros produtores de vinho nacional não podem ser prejudicados por esse caso. “Nós que trabalhamos pelo aumento do consumo e o fortalecimento da qualidade do vinho nacional, ficamos tristes com uma notícia dessa”, lamenta.

A produção de vinho brasileiro tem ganhado espaço nos últimos anos, com o crescimento do consumo interno e a melhoria na qualidade da produção. Segundo dados da Embrapa, 90% da produção de vinho do Brasil é realizada no Rio Grande do Sul, principalmente na Serra Gaúcha. Em 2020, foram colhidas 745 mil toneladas de uva na região para a produção de vinho e suco.

O que dizem as vinícolas

Veja o que dizem as vinícolas envolvidas na denúncia de trabalho análogo ao escravo:

Em carta aberta, a Cooperativa Vinícola Garibaldi, repudiou qualquer prática que afronte o respeito ao ser humano ou comprometa sua integridade. A empresa disse que está prestando solidariedade às vítimas e familiares e reinterou que não compactua com as práticas denunciadas.

Já a Vinícola Aurora, em sua conta no Instagram, se manifestou em solidariedade às vítimas e justificou a contratação de trabalhadores terceirizados pela escassez de mão de obra na região. A vinícola também afirmou que repassava à empresa de terceirização mais de R$ 6 mil por empregado.

Em comunicado nas redes sociais, a Salton informou que “lamenta profundamente os acontecimentos recentes e repudia qualquer ato de violação dos direitos humanos e trabalho sob condições precárias e análogas à escravidão”. A empresa, no entanto, admite que não verificou  inloco as condições de moradia oferecidas aos trabalhadores. “Foi um fatoisolado na trajetória centenária da empresa, mas um ponto de melhoria que será endereçado com toda a seriedade e respeito que a situação exige.”