CRÔNICAS

Como dar uma notícia ruim

Isabela vivia com o seu pai desde bebê, ela amava-o com todo o seu coração, ele exercia a paternidade com excelência, acompanhava-a em seus estudos e mantinha-se presente na maioria dos compromissos, e, assim como a maioria dos pais, sempre, tentava superprotegê-la. Certo dia, Isabela precisava contar algo que o desagradaria, sabia que transmitir o inesperado poderia ter um desfecho negativo, ainda mais que ela precisava andar na linha para poder ir à viagem dos formandos. Então teve a brilhante ideia de fortalecer as emoções do pai para que ele processasse com mais leveza os inevitáveis acontecimentos displicentes.

Numa sexta-feira à noite, chegou até ele e disse:

— Pai, precisamos conversar.

—Claro, minha filha.

— Pai, estou namorando e vou embora.

— O que? Diz o pai, franzindo a testa,engasgando-se com um pedaço de pão.

— Sim, pai. O MC Zoeira e eu estamos apaixonados e decidimos que vamos aproveitar os próximos oito meses para mochilar pelo mundo antes do bebê nascer. Ah, esqueci de contar: estou grávida.

O pai quase infartando, não consegue processar a notícia;foram tantos anos de cuidado e dedicação que só pensava em como deixou isso acontecer. A filha manteve-se firme e prosseguiu com a conversa.

— Pai, peço que o senhor não fique assustado com o fato do meu namorado ter passagens pela polícia. No ano passado ele não tinha a mesma maturidade desse ano, foi preso três vezes, mas todas as vezes foram por engano. Nem tudo que parece ruim é de fato ruim, foi na prisão que ele descobriu que tem vocação para a música, é com o dinheiro dos shows que ele comprou um carro turbinado para nós viajarmos. Ele ainda não tem habilitação,mas dirige muito bem, na rodovia mantém a velocidade constante de 140km/h e tem muita segurança em fazer ultrapassagens onde não é permitido. Ele gosta de ver os pneus fritando no asfalto, já recebeu até premiações nos rachas e nos cavalos de pau.

O pai se escora na parede, sente que o seu coração vai sair pela boca, já não consegue questionar, nem respirar.

— Pai, meu namorado quis subir comigo até o apartamento para conversar com o senhor, mas o segurança do prédio não o deixou entrar, ficou assustado pelo fato dele ter várias tatuagens, alargadores nas orelhas e piercings na face. Eu não me importo com a aparência, estou apaixonado e nada vai impedir de ficarmos juntos. Foi na primeira tragada de maconha que ele me ofereceu que descobri o amor. Sei que o senhor pode ficar com medo ou preocupado, mas não somos viciados. O meu namorado prometeu manter o equilíbrio e disse que consegue parar de fumar quando ele quiser.

— Quanto aos estudos, é aqui que eu quero chegar. Estou mal em redação;minha professora disse que preciso praticar melhor meus argumentos se pretendo passar no vestibular. Pai, nada do que lhe contei é verdade, eu só estava exercitando a minha criatividade, mesmo assim, preciso que o senhor vá à escola retirar meu celular na coordenação e conversar sobre minhas notas baixas. Pai, sei que a situação é ruim, mas veja, poderia ser bem pior.

Joceane Priamo

Joceane Priamo nasceu em Francisco Beltrão-PR, em 23 de maio de 1988. É formada em Letras Português e Literatura pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) e Pedagogia pela Faculdade Campos Elíseos (FCE), pós-graduada em Docência no Ensino Superior, Antropologia, Educação Especial e Intelectual. Em março de 2021, lançou seu primeiro livro, Francisco Beltrão entre Versos e Sonhos. Participa da coordenação da Via Poesis e como membro do Centro de Letras de Francisco Beltrão, é professora, escritora, poetisa e cronista.