CRÔNICAS
Quarto 302
Você já imaginou se as paredes pudessem falar sobre tudo que acontece num quarto de hotel. Inúmeros segredos seriam revelados, muitos ficariam surpresos pela dualidade que as pessoas de boa-fé escondem, alguns mistérios não levariam tanto tempo para serem investigados. Essas e muitas outras perguntas faziam serenata na mente de Laura enquanto ela andava apressada pelas ruas molhadas de Francisco Beltrão. Lugar onde o tempo é equilibrado, porém,nos primeiros dias de frio, o vento, geralmente, aparece acompanhado por longos períodos de chuva.
Entre a infinidade de construções de concreto, um hotel barato ocupa espaço no centro da cidade, a sua arquitetura mostra o quanto é antigo,a pintura desbotada revela os desgastes dos anos e os descuidos de seus donos.Entretanto, isso não importava para Laura. Afinal, assim como ela, muitos preferem um local com as comodidades simples e que o bolso pode pagar.Homens e mulheres buscam repouso pelos mais variados motivos, depois de um longo dia de trabalho, durante uma longa viagem, depois de uma festividade, enfim, o que os hóspedes precisam é de um lugar confortável, um banho quente e uma boa cama para dormir.
As pessoas que buscam um hotel, geralmente, estão de passagem, entretanto, Laura era uma hóspede diferente, ela era moradora da cidade, e não ia até o hotel para pernoitar. A jovem mulher,com aparentemente trinta e poucos anos, morava à distância de três quadras do hotel, mesmo assim,mantinha o quarto 302 semanalmente reservado, todas as terças-feiras ela chegava com uma bagagem de mão, pegava as chaves, depois se trancava no quarto das 8h às 18h. Não tomava café, nem saía para almoçar. No final da tarde, devolvia as chaves, reservava o mesmo quarto para a próxima semana,ia embora sem dizer adeus.
Um dia a recepcionista a reconheceu, mas Laura nunca deu abertura para que ela a cumprimentasse ou dissesse uma palavra. Alguns anos atrás, Laura foi a sua professora no ensino fundamental, o que a deixava intrigada era o que aquela mulher com casa, profissão e família na cidade fazia sozinha, todas as terças-feiras, no hotel.Talvez ela fosse uma psicopata procurando um lugar isolado para planejar as suas ações. Quem sabe ela era uma pervertida e se escondia para fazer coisas que as pessoas não pudessem ver. Será que ela tinha um amante? Qual era o seu segredo?
Os funcionários do hotel faziam várias indagações sobre a hóspede, acreditavam que aquela atitude era suspeita, afinal, ninguém paga um hotel, tendo casa para ficar. Teve um dia que fizeram até um bolão, apostando as mais variadas possibilidades. O que ninguém imaginava era que aquela mulher estranha, só buscava um lugar para descansar. Como disse, lá no início da história, até os mais belos edifícios vão se desgastando com o passar dos anos. Laura tinha tudo que qualquer mulher almejava conquistar, trabalho, esposo, filhos, segurança financeira. A única coisa que lhe faltava era um espaço para ela, um momento para desfrutar a própria companhia.
Ela poderia ser como as outras mulheres atarefadas, cansadas com os compromissos do lar, sobrecarregadas com o trabalho, que fazem visitam constantemente os consultórios médicos, que se enchem de drogas para fugir da realidade, em vez disso, Laura preferia investir pequena parte do seu dinheiro no seu próprio bem-estar. No seu dia de folga, escolhia ficar longe do mundo e relaxar, assistia os seriados da Netflix, tinha silêncio para ler, comia besteira sem se preocupar em dar bom exemplo, dormia, sonhava, dançava. Ali, sozinha, ela destinava algumas horas para viver apenas por ela. Quando o dia ia escurecendo, ela voltava para a sua vida comum contando os dias para a próxima terça-feira.