CRÔNICAS
Onde estão as minhas botas?
Depois de muitos dias isolada, desfrutando apenas a minha companhia, sinto que o mundo me convida para ir vê-lo.Lá fora, uma orquídea dança no tronco de uma árvore parecendo feliz com as suas hastes, flores e folhas fulgentes. O tempo chorou suas amarguras incansavelmente, a sua dor me contagiou,o que eu mais desejo é fugir de casa, no entanto,o medo de pisar na terra pegajosa e sujar os meus pés me apavoram.
Procurei as minhas botas por todos os lugares, mas não as encontrei. Elas são essenciais para mim,garantem a segurança da minha caminhada; sem elas, não consigo andar. Como posso tocar o chão e pisar no incerto?Um bicho pode me picar, uma farpa pode me cortar, o contato com alguma pedra pode me machucar, por isso é melhor não me mover até encontrar as minhas botas.
Quem será que as pegou? Será que alguém resolveu roubá-las de mim? Já sei, deve ter sido meus pais, eles não gostavam delas, diziam que o vermelho chamava muita atenção, o salto era muito alto e eram impróprias para o campo. Aposto que foram eles, devem ter pedido para a empregada sumir com elas; ah!Sim, a empregada, nunca confiei nela.Quem sabe alguma amiga pegou ou um estranho as roubou.
Se eu tivesse as minhas botas, poderia ir lá fora.Por culpa de quem pegou não posso sentir o cheiro da macieira, nem tirar o seu fruto e experimentá-lo, consigo ouvir a fome despertando no meu estômago, mas como saciá-la sem as minhas botas? Alguns metros daqui,vejo um imenso tapete verde,parece refrescante e macio, ainda há pingos de chuva sobre as folhas, se eu fosse até lá, poderia provar uma maçã, mas, também poderia pisar nos espinhos das rosetas na grama e, com isso, sangrar os meus pés.
No quintal do vizinho, três crianças pulam da Terra para o ar.Indulgentes!Elas estão sem botas e podem ferir-se. Será que os pais perderam a responsabilidade e esqueceram de cuidar dos seus filhos e protegê-los do perigo?As crianças parecem não ligar, correm pela grama e rolam pelo chão, já sei,elas nunca calçaram botas.