CRÔNICA
Ouvindo a conversa alheia
Estamos cercados de pessoas que falam demasiadamente, seja no trabalho, na rua, em casa, no transporte público, no restaurante e ainda têm aquelas que batem um longo papo consigo mesmas. Há àquelas que gostam tanto da comunicação que parecem “falar pelos cotovelos”, são as populares “tagarelas”. Diariamente, ouço tantas conversas que confesso que muitas vezes não sintonizo minha audição, apenas olho, chacoalho a cabeça e concordo com um “aham”, sem ter nenhuma noção do assunto. Pessoas que falam demais cansam os ouvintes que apreciam o silêncio, elas trazem uma carga tão grande de informações que parecem esquecer de respirar, os detalhes exagerados me fazem perder o clímax da conversa, e tem horas que não sei se o foco é sobre a flor de uma árvore ou a trajetória da sua semente e quem a plantou.
A maneira como as pessoas se comunicam revelam muito sobre elas. Alguns têm a voz mansa, outros usam um tom mais agressivo, há quem fala baixo, há quem fala gritando, não podemos deixar de fora aqueles que além de usar a voz, também, enfatizam as expressões faciais, franzindo a testa, movimentando a sobrancelha, articulando os lábios, e, aqueles que usam as mãos, não me refiro a linguagem de sinais, mas, sim, aos que tem grande necessidade de gesticular enquanto dialogam.
Às vezes, quando não participamos das conversas, o papo parece mais atrativo. Outro dia, eu estava no restaurante, enquanto aguardava o meu pedido, uma mulher sentou-se à mesa ao lado, ela pediu uma cerveja, pegou o celular e ligou para uma amiga contando que quase sofrera um acidente até chegar à cidade, depois fez mais três ligações relatando o mesmo assunto, chegou um amigo e juntou-se a ela, onde mais uma vez, ela deu ênfase ao fato ocorrido.
Nos vinte minutos que passei no local, soube que ela se chamava Laura, é jornalista da RPC, alérgica a camarão, separada há dois anos e não tinha uma boa relação com o ex-marido, tinha uma filha chamada Janaina e um neto com o nome de Enzo, o qual era a razão do seu viver. Depois, ouvi que ela estava hospedada na rua das flores, no sobrado amarelo em frente ao edifício Marine. À noite, ela iria tomar uns drinks com as amigas no London Pub e dormiria até tarde no dia seguinte, ela estava de férias e precisava relaxar. Talvez ela se sentisse ofendida se soubesse que eu estava ouvindo a conversa dela, mas se eu fosse um assaltante/sequestrador já teria informações suficientes para executar a tarefa.
Quando escutei pedaços das interlocuções, fiquei imaginando como era a vida daquela mulher e os seus conflitos com a família, a inquietude das pernas e a agitação da voz revelavam um grau de ansiedade, o excesso de ligações demonstrava uma certa carência de companhias, os murmúrios sobre trabalho demostravam descontentamento e insatisfação, uma pessoa sozinha, com alguns amigos e muitos assuntos, distraída com o que acontece a sua volta.
Aquele alto grau da conversa me fez gostar de algo que sempre odiei, gente que fala alto. No prédio onde moro, tem uma vizinha que quando chega na entrada, anuncia a sua presença com a sua voz estridente, e todos os moradores ficam sabendo do seu dia estressante e seus problemas conjugais. Viva o povo brasileiro, um brinde a conversa alheia e as suas vidas compartilhadas!