CRÔNICAS

Em busca de um lugar menos confuso

Maria era uma mulher conhecida apenas pelo primeiro nome. Ninguém nunca soube o seu sobrenome, do que ela mais gostava, se ela tinha algum sonho ou qual era o seu maior medo. Ela era uma pessoa comum que passava despercebida aos olhos da sociedade. Nunca foi destaque na escola nem na vida de ninguém. Era apenas uma Maria entre tantas outras Marias que tentavam sobreviver.

Um dia ela acordou bem cedo, disposta a encontrar algo que iria transformar a sua vida. Ela ouviu no rádio uma propaganda sobre um lugar em que era possível curar tudo aquilo que adoece a alma. Não teve tempo para prestar atenção no endereço, também, pouco adiantava, ela sempre teve dificuldade em se localizar. Entretanto, naquela manhã, o mundo estava diferente, ela não era a mesma pessoa,sentia que uma esperança pulsava no seu coração. Então vestiu o seu corpo com um pouco de coragem e entusiasmo, empoeirados nos baús secretos do seu interior, deixou de lado o vitimismo, e,foi em busca de um espaço que ajudasse a reconstruir a sua essência.

Mudança era o que ela sempre desejou, queria ser diferente, agir diferente, pensar diferente.  Às vezes ela sentia ter outra pessoa dentro dela. Não conseguia ter uma sintonia com o mundo, ela vagava, não se encaixava e tinha a eterna sensação de que não pertencia a nenhum lugar. Já ouviu falar sobre muitos métodos de recuperação,mas tinha muito medo do processo.Ela teria que enfrentar alguns dos seus monstros do passado e tudo que lhe atormentava.

Assim como um vendaval inesperado, Maria saiu de casa, fechou a porta e guardou a chave na sua bolsa. Notou que as ruas ainda estavam escuras, a penumbra lhe assustava, o pavor lhe paralisava. Será que deveria voltar para o seu espaço seguro e esperar o sol aparecer? Será que algum mal poderia lhe acontecer? Ela não sabia o que era certo a fazer?

Enquanto ela estava pensando na decisão em que deveria tomar, passou um carro desconhecido, o motorista vendo uma estranha parada no meio da rua, decidiu buzinar. Ela levou um susto tão grande que nem pensou em nada, apenas saiu correndo. Correu o mais rápido que pode, sem olhar para trás ou para qualquer lado, correu tanto que perdeu a noção do tempo, apenas sentiu as pernas estremecerem e dificuldade em respirar.

Quando parou, estava em algum lugar irreconhecível, cercada por ruas,prédios e pessoas apressadas. Os faróis dos automóveis lhe cegavam, o barulho lhe irritava. Ela se sentia desorientada, não sabia onde estava, só tinha a mesma certeza de sempre, que estava perdida. Não sabia se isso fazia alguma diferença, a vida toda ela se sentiu desnorteada, confusa e sem rumo.

Arriscou dobrar uma rua. Num primeiro momento, ficou encantada com as construções exuberantes.Os prédios eram enormes, deveria ser inesquecível olhar lá de cima, ela nunca saberia; jamais andou de elevador, só em pensar de ficar trancada, sentia a angústia lhe sufocar.

 Saiu dali e virou para uma rua menor, uma rua estreita com pouco movimento. Lembrou que a solidão não era a sua melhor companhia, algo ruim poderia acontecer, ela poderia morrer. Precisava avistar o socorro, então fugiu novamente, até que avistou o chafariz da praça central.

Reconheceu o local, a plenitude e a segurança estavam ali. As árvores dançavam no ar e os raios de sol começavam a aparecer. Maria gostaria de ter nascido peixe para mergulhar sem medo nas profundezas dos mares.Pôs as mãos na água, sentiu a mistura da frieza com o calor. Ela também gostaria de ser tocada, ser admirada, ser bela como a estátua daquele chafariz. Para falar a verdade, ela sentia-se como uma estátua, por mais que era viva, via-se imóvel, sem sonhos,sem força para se movimentar.Seria possível alguém a construir novamente?Queria destruir toda a miséria humana do seu ser, remover toda a insegurança, eliminar os medos que lhe aprisionavam.

O relógio da praça anunciava oito badaladas, ela precisava seguir, mas para onde ela deveria ir? Não sabia como foi parar ali, não viu o tempo passar, ela, simplesmente, foi levando os passos sem saber qual era a direção. Durante a sua existência ela foi ignorando os fatos,tapando os seus sentimentos e fazendo o que os outros diziam ser bom para ela. Agora, estava sozinha, não sabia como viver. Talvez se ela entrasse no chafariz, alguém lhe notasse, mas poderia ser presa, melhor ficar quieta e não chamar atenção.

Quem sabe a sorte resolva aparecer para lhe acompanhar e ela consiga encontrar o lugar onde perdeu os seus sonhos.Maria lembrou que havia algo guardado na bolsa, retirou dois comprimidos de uma cartela,engoliu-os a seco, bastava esperar o efeito e a vida se tornaria bela novamente. Logo voltaria para casa,e mais um dia seria esquecido.

Joceane Priamo

Joceane Priamo nasceu em Francisco Beltrão-PR, em 23 de maio de 1988. É formada em Letras Português e Literatura pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) e Pedagogia pela Faculdade Campos Elíseos (FCE), pós-graduada em Docência no Ensino Superior, Antropologia, Educação Especial e Intelectual. Em março de 2021, lançou seu primeiro livro, Francisco Beltrão entre Versos e Sonhos. Participa da coordenação da Via Poesis e como membro do Centro de Letras de Francisco Beltrão, é professora, escritora, poetisa e cronista.