CRÔNICA

A ocasião faz o ladrão

A vovó Carmelinda sempre teve um lindo jardim, ela cuidava de suas flores como seres que faziam parte da sua árvore genealógica. O que eu não entendia era o porquê das flores receberem nome de gente, ela adubava as rosas e as chamava de Franciscas, dava água para as orquídeas chamando-as de Clotildes.

Um dia a vi cumprimentar um cacto pelo nome de Sebastião, noutro, ela se despediu de uma suculenta dizendo até breve Dona Terê. Eu como um bom observador, não consegui conter a curiosidade, então resolvi perguntar:

‑Vovó Carmelinda, por que a senhora coloca nome de pessoas nas flores?Com um sorriso maroto no rosto, ela me respondeu:

-Meu querido, esta é a minha forma de homenagear aqueles que sem saberem me deram uma mudinha.

-Então a senhora roubou todas essas flores?

-Não! Apenas expandi as espécies, garantindo que não lhes faltassem terra, água e amor. Elas viviam em lugares abandonados e não recebiam nenhum cuidado.

A Dona Francisca passa muito tempo viajando e as rosas viviam fracas por falta de adubo.  A Clotilde fez um cemitério de orquídeas na casa dela porque as deixava expostas, exageradamente, no sol. O seu Sebastião perdeu a esposa e não sabia como cuidar dos cactos, estava afogando-os com tanta água.

  • E o que aconteceu com as suculentas da Dona Terê?
  • Nada! Ela tinha muitas suculentas.  Acredita que ela veio aqui e nem as reconheceu. Tenho certeza que as flores dela são mais felizes no meu jardim.

Fiquei pensativo por um instante, tentando entender as ações e conclui que as justificativas eram convincentes, afinal a vovó sempre foi meu maior exemplo de conduta, ela deu uma vida melhor para todas aquelas flores.

Duas semanas depois, eu estava passando pela Rua São Paulo e vi uma Kombi Clipper 96 com o para-choque quebrado, pneus carrecas, com a lataria suja e mal cuidada, então pensei: vou expandir a minha coleção, fiz a ligação direta na Kombosa e saí em direção ao prolongamento. Agora, estou fugindo da polícia, acredito que eles não compreenderam minha boa ação em dar uma vida melhor para os automóveis que vivem abandonados.

Joceane Priamo

Joceane Priamo nasceu em Francisco Beltrão-PR, em 23 de maio de 1988. É formada em Letras Português e Literatura pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) e Pedagogia pela Faculdade Campos Elíseos (FCE), pós-graduada em Docência no Ensino Superior, Antropologia, Educação Especial e Intelectual. Em março de 2021, lançou seu primeiro livro, Francisco Beltrão entre Versos e Sonhos. Participa da coordenação da Via Poesis e como membro do Centro de Letras de Francisco Beltrão, é professora, escritora, poetisa e cronista.