ALETHEIA

Predestinado

Nascido de família pobre, nas marginalidades de São Paulo, Robson soube desde cedo que não comeria no dia acaso não trabalhasse. Aos 12, largou a escola sem completar o primário, e começou a ajudar a mãe na venda de marmitas nas vizinhanças.

Negro, e sem conhecer o pai, preso por roubo quando havia nascido, Robson teve em sua mãe trabalhadora a única imagem de exemplo a seguir. Ao menos tinha até os 18 anos, quando ela faleceu vítima de hepatite.

Rumos

Todos diziam que Robson não teria vez se não no crime. Os que o conheciam, logo de cara imaginaram que, semelhante ao pai, ele encontraria rumo nos pequenos roubos – ou quiçá, entraria nas facções próximas.

Era o que todo jovem conseguiria, nas condições semelhantes às de Robson.

Uma semana depois da morte da mãe, ele conseguiu emprego numa pequena mercearia, do outro lado da cidade. “Melhor que nada. Melhor que meu velho”, pensou, quando aceitou trabalhar na faxina e na contagem de estoque. Ganharia 1,5 salário mínimo. O suficiente para suprir sua existência desgraçada.

Rotina

Robson enfrentava 15 quilômetros todos os dias, de bicicleta, para ir ao trabalho. “Um dia me livro desse embuste e arrumo uma motoca. Deus me ajude!” – era o que sempre pensava, quando, por vezes, enfrentava o sol dilacerante, ou a chuva torrencial no percurso.

Isso durou 5 anos a fio até que Sérgio, dono da mercearia, percebeu que, além de bom trabalhador, Robson era honesto. Ao que parece, levara o exemplo do pai para consigo, a fim de não copiá-lo jamais, ao mesmo tempo que carregou a imagem da mãe em todos os momentos.

 – Sabe, rapaz, você tem me servido bem durante esses anos e vejo que você sofre só com essa bicicletinha. E por isso, vou lhe dar uma moto simples, usada. Vai quebrar-lhe um galho. Acertaremos mensalmente o desconto do salário no valor da moto. O que acha?

Sem pensar duas vezes, trabalhador como sempre, Robson aceitou a oferta e as condições propostas.

Polícia

Na mesma noite, durante o mesmo percurso que fazia todos os dias para ir e voltar para casa, a polícia parou Robson:

– Onde pensa que vai, ladrãozinho de merda? Hein? Acha que a gente não sabe que você sempre tinha bicicleta? De onde surgiu essa moto?

Quando Robson tentou argumentar, a polícia levou como desacatado. Preto não tem voz. E como resultado, o jovem trabalhador apanhou até ficar desacordado.

Quando retornou a si, notou que já se encontrava na delegacia.

E foi então que percebeu que, mesmo que tentasse não parecer, teria sempre a chance de ser confundido com o pai.

Matheus Augusto

Matheus Augusto da Cruz, acadêmico de medicina da Unidep, dono das páginas Aletheia, no Facebook e @apriorialetheia, no Instagram