Exclusivo: empresa vende dados por R$ 1,5 mil e disparo em massa para campanhas

O Jornal da Band desvendou um esquema de venda ilegal de dados para propaganda política nas redes sociais. A reportagem especial é de Edgar Maciel e Fabiana Vilella:

Toda vez que você faz um cadastro, acessa uma nova rede social ou testa um novo aplicativo, as suas informações passam a circular pela internet. A apropriação desse conteúdo gigantesco é prática comum na era digital, mas existem irregularidades nesse uso – principalmente em períodos eleitorais, quando esses dados são cobiçados pelas campanhas com o objetivo de conquistar o que é mais valioso para elas: o seu voto. 

A um mês do pleito municipal, a disputa ganhou um novo espaço e também está na tela do celular, onde poucos segundos milhões de eleitores são alcançados.

A reportagem especial descobriu e investigou um esquema ilegal de venda de disparos em massa para fins políticos, o que hoje não é mais permitido pela Justiça Eleitoral. Uma das ferramentas pertence a uma empresa chamada Bom Brasil. 

O esquema é escancarado e acessível. Logo na capa do site da empresa há um “kit eleições 2020”. Um pacote com 15 mil números de celular, por exemplo, é vendido por R$ 1,5 mil.

O dono do negócio, Ronaldo, explica como funciona: “O pessoal fala assim: vou ter que divulgar nas redes sociais. Aí, por exemplo, você vai divulgar através do WhatsApp, do Instagram (…) E é tudo pago. Se você falar assim: eu quero um filtro de WhatsApp, quando você coloca lá 50 mil dados, são 50 mil pessoas”.

Ronaldo diz ainda que consegue uma lista de informação completa com nome, data de nascimento e renda. E tem gente que pede mais. “Tem quem quer saber a cor da pessoa, em quem ela vai votar; essas são as perguntas mais doidas que tem”.

O mercado de transação de dados é abastecido por várias empresas mundo afora. Muitas delas ficam na Ásia e na Rússia. Para enviar os conteúdos, a Bom Brasil usa programas de empresas parceiras, como a Housoft, uma das plataformas mais utilizadas para disparar mensagens em massa, algo que, por si só, não é considerado ilegal.

“É só uma ferramenta que possibilidade quem tem um negócio, um comércio, disparar mensagens para a sua base de dados”, detalha Wharrysson Lacerda, especialista em tecnologia.

Mas se o uso for para campanhas eleitorais, o jogo vira. “Vira porque o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] já proibiu o uso dessas plataformas para campanha política”, acrescenta Lacerda.

Multa salgada

Em setembro deste ano, A Lei Geral de Proteção de Dados entrou em vigor no Brasil, proibindo a propaganda sem o consentimento do eleitor, com multa de até R$ 50 milhões.

“Quando alguém usa um recurso, uma ferramenta ilegal é como se fosse numa competição o dopping. Então, aquela pessoa que toma um anabolizante, por exemplo, ela vai ter uma vantagem em relação aos demais concorrentes. Na eleição, é mais ou menos a mesma coisa”, alerta Arthur Rollo, advogado especialista em direito eleitoral, à reportagem. Rollo diz ter dezenas de clientes candidatos nestas eleições municipais. Pelo menos 20 deles receberam propostas de disparos em massa. “Vários candidatos vêm me consultando sobre a possibilidade de contratação de disparos em massa de [mensagens] WhatsApp porque isso vem sendo oferecido no mercado”.

“A Justiça Eleitoral, de uma maneira geral, está buscando não controlar o conteúdo ou o que as pessoas estão conversando, mas as ações coordenadas inautênticas, que são organizações que disponibilizam uma infraestrutura em que permitem disparo em massa, e muitas vezes isso confunde os eleitores sobre um determinado assunto”, completa Thiago Rondon, coordenador digital de combate à desinformação.

Após a conversa com o Jornal da Band, os pacotes oferecendo os disparos foram retirados do ar.

Em nota, a Housof negou que tenha oferecido o disparo em massa. O WhatsApp afirmou que não tolera o envio de disparo em massa e que está no programa de enfrentamento à desinformação. Já o TSE pede que os eleitores fiquem atentos e denunciem as infrações.