A CHAVE DE REBECCA

A CHAVE DE REBECCA
(Cleusa Piovesan)

Escondidos na penumbra,
À sombra ou à margem,
Vagando em becos escuros,
Vira-latas e mendigos
Dividem a esperança
De não morrer de fome,
De não serem atropelados,
De não ter o corpo queimado
Pelo “boyzinho” inocente
Que procura diversão.

Nas sombrias vielas da sociedade,
Pernoitam os excluídos,
E também muitos bandidos,
De mente e vida cruel,
Mas, nem um grande menestrel
É capaz de decantar o mal que faz
Um aval, de um alto tribunal,
Que lava os colarinhos dos brancos,
Engomadinhos e passados,
Que estão na outra margem.

A tal margem de um sistema
Que cria mais marginais,
Com poder inigualável,
Que suplanta o miserável,
Que favorece autarquias,
Que recebe altas propinas
E que produz a anarquia
Num país de alienados,
Que se rende à uma toga,
Sem saber que ali impera,
Algo mais prejudicial que a droga.

É a “coca” que vicia,
O mais alto escalão
E passa de mão em mão,
Sustentado privilégios.
E é até um sacrilégio
Um juiz quebrar a lei,
Autodenominar-se rei
Numa “terra de ninguém”,
Invertendo os valores
A servir seu bel-prazer,
Enquanto o povo trabalha,
Para pagar os impostos
Que sustentam esses “metralhas”.

Nem precisam andar armados,
Basta só um “canetaço”
Para fazer estardalhaço
E aumentar os excluídos,
Que perambulam pelas ruas,
De mãos calejadas ou descalços,
Às vezes, de costas nuas,
Sem rumo e sem um teto,
Que se apinham pelos becos,
Nos subúrbios, nas favelas,
Sem ter o que pôr nas panelas.

São estes que nem são vistos,
Por aqueles, e, nem lembrados,
O carro passa acelerado,
Coberto pelo insufilme
Porque denigrem a imagem,
Sujam a bela paisagem
De um povo sempre feliz,
Que disfarça sua miséria,
Com a máscara da ignorância,
Com a bola vermelha no nariz
E a barriga sempre vazia.

Só a esperança perdura
Para encobrir a amargura
De ver a corrupção,
Ou de ver um governante,
Ou juiz se autoempoderar,
E até de Deus brincar,
Alteraram a legislação
E, assim, garantem benefícios
A quem perdeu a ética e o juízo
E vive no doce paraíso,
De ter delação premiada,
E de uma tal de impunidade.

Só mesmo com uma revolta,
De quem ainda não perdeu o brio,
Só mesmo o sangue nas veias
Para acabar com essa teia
Que prende os inocentes
E deixa o grande marginal
Na cadeira do presidente
A rir e a sobrepujar
A quem jurou proteger
Com a mão sobre a bandeira,
Fazendo-se de inocente,
E rindo da bandalheira.

Povo sem bandeira ou glória
Que vai entrar para a história
Sem honra e sem decência,
À margem do Terceiro Mundo,
Porque vendeu o seu voto,
Ou votou em “vagabundos”
Para lhe representar.
Paga o preço da ignorância
Numa terra de pujança,
Com tantos a lhe saquear.

Os becos estão à espera
Daquele que urra e berra,
Mas fica “de braços cruzados”,
Olhando pela janela
“à espera de um milagre”.
O milagre é a atitude,
A força do povo nas ruas,
As bandeiras desfraldadas
Por justiça e por direitos,
E acabar com a ditadura,
Sustentada pela magistratura,
Que levou o país à breca,
Engomada em uma beca.

Cadê “A Chave de Rebecca”
Que desvenda esse segredo
E abre as portas do medo.
O que impede a revolução?
A força de uma nação
Nasce no meio do povo
E na voz que não se cala
Diante de toda opressão,
Que traz ecos de liberdade
A serem ouvidos à distância,
E seguidos com o coração,
Porque quando se perde essa força,
Não há mais por que lutar,
Já se perdeu a razão.
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Cleusa Piovesan – Doutoranda em Letras, Mestra em Letras, com graduação em Letras – Português/Inglês e em Pedagogia; organizadora de dois livros com alunos, e 12 obras de autoria própria; tem participação em mais de 50 antologias e coletâneas; é Acadêmica do Centro de Letras do Paraná, da Academia Brasileira de Letras e Artes Minimalistas, da Associação Brasileira de Poetas Spinaístas, e do Centro de Letras de Francisco Beltrão.