CRÔNICAS

Família é um negócio complicado

Quando frequentamos a casa de alguém, geralmente, encontramos o memorial da família, que pode estar no quarto, na sala, no escritório, enfeitando as estantes ou armários. Por mais que o mundo digital cresceu desenfreadamente, as fotos impressas continuam expostas para retratar as conquistas, viagens e momentos de alegrias.

Lembro-me daqueles retratos antigos, alguns pintados a mão, pendurados nas paredes das casas de meus avós,onde, seriamente, o pai e a mães e posicionavam ao centro e os vários filhos ao redor deles.Hoje, os filhos ocupam centro das fotografias e os pais os cercam com um sorriso acolhedor. O registro da imagem mudou, mas o que ainda permanece intacto é o grande desafio de viver,harmoniosamente, em família.

Alguns padrões parecem universais, e, como todo mundo diz: as famílias são todas iguais, só mudam de endereço. Todas têm problemas, atritos e diferenças que no decorrer da convivência vamos nos adequando, acostumando, ignorando os fatos para manter a proximidade.

Duvido quem nunca desfrutou um daqueles almoços agradáveis de domingo em que todos os parentes se reúnem para dividir o alimento e testar a paciência. A prova de resistência acontece da seguinte forma: os homens são responsáveis pela carne, tendo a cerveja gelada e uma boa churrasqueira está tudo certo, o que não pode surgir são os famosos assuntos de quebra-paus que envolvem política, religião e futebol.Já as mulheres são responsáveis pelos acompanhamentos, onde não podem faltar variedades de saladas, principalmente a maionese, arroz, massas, e, é claro – a sobremesa. É diante desses preparos que as pequenas faíscas surgem para temperar ainda mais as relações humanas.

A criançada corre, faz bagunça, briga, e, adivinha? Os adultos brigam também.A única diferença é que eles não têm ninguém superior que lhes digam que não podem agir daquela maneira porque é feio. Enquanto os pequenos entram em conflito pelos brinquedos, os grandes disputam o troféu da razão.

Algumas ações são sagradas: toda família tem alguém que quer saber mais do que os outros; tem o que se sente excluído; há aquele que quer corrigir os filhos dos irmãos e, os que se ofendem com as ingênuas piadas de mal gosto. Independente da época do ano, sempre existe um que faz questão de recordar o passado, há o que bebe demais e o que não tem papas na língua, diz o que pensa sem receio; nunca falta aquela pessoa que ama dar uma bola fora e não sai sem fazer um fiasco.

Não se pode esquecer daquela pessoa que aprendemos amar desde criança, os filósofos da sabedoria,que sempre apresentam as extraordinárias perguntas encorajadoras: você já tem namoradinha? Cuidado, você ficará para titio.Quando vai casar? Quem escolhe demais, acaba sendo escolhido. Cadê os filhos? Você já está velho, depois não vai dar tempo. Se fizessem uma pesquisa sobre quem já ouviu essas indagações, provavelmente, 99,9% iria responder o quanto desejou mandar alguém assim para aquele lugar que não precisamos deixar explicito aqui.

Se você pensa que essa é a pior parte dos atritos, espera para ver as três melhores situações de desavenças prolongadas, sim, essas não são apenas incômodos momentâneos, duram longos períodos, muitas vezes, a vida inteira. Entre tantas, selecionei as melhores: separação, doença e herança. Aqui, acontece o verdadeiro divisor de águas.

As pessoas gostam de tomar partido, desde crianças aprendemos a defender nossas ideias, as ideias são tantas, que se se tornam ideais, difíceis de serem compreendidos por unanimidade. Infelizmente, a justiça é injusta e sempre alguém será desfavorecido diante dessas três situações. Alguém sofrerá mais perdas diante de uma divisão, alguém se sentirá sobrecarregado durante um auxílio, alguém tirará vantagem sobre algo.

A vida é desse jeito, as famílias são assim, e sabe qual é a melhor parte? O que a grande maioria mais deseja é ter uma família. Mesmo sendo complicada, queremos pertencer a uma linhagem, onde os desentendimentos serão constantes, as decepções serão imensas, e, mesmo assim, continuamos lá, porque uma família não é construída para entender, ela é formada para amar. É para perto da família que corremos quando o mundo resolve desabar; o que acontece nas entrelinhas faz parte desse difícil universo de humanos que gostam de complicar a existência.

Joceane Priamo

Joceane Priamo nasceu em Francisco Beltrão-PR, em 23 de maio de 1988. É formada em Letras Português e Literatura pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) e Pedagogia pela Faculdade Campos Elíseos (FCE), pós-graduada em Docência no Ensino Superior, Antropologia, Educação Especial e Intelectual. Em março de 2021, lançou seu primeiro livro, Francisco Beltrão entre Versos e Sonhos. Participa da coordenação da Via Poesis e como membro do Centro de Letras de Francisco Beltrão, é professora, escritora, poetisa e cronista.