CRÔNICAS

Um Assassino precipitado

Se tem algo que acontece nas cidades do interior é que todo mundo cuida da vida de todo mundo, não importa se você é o prefeito, dono do bar ou um morador recente. Mesmo que a pequena localidade não possua um jornal ou emissora local, sempre, é possível encontrar os repórteres de plantão, que transmitem as notícias, não que sejam fofoqueiros, mas gostam de manter o povo atualizado por amor a informação.

Se os assuntos são verdadeiros ou não, já é outro caso, fica por conta de cada ouvinte fazer a averiguação. Existe aquele que opta por passar adiante,e quem deixa o boato entrar por um ouvido e sair pelo outro,também, há aquele que gosta de acrescentar uns fatos para dar mais emoção e deixar a conversa empolgante.

Triste mesmo é quando você cai na boca do povo e nem sabe que é a principal manchete entre as notícias. Foi mais ou menos assim que aconteceu com Seu Ariosvaldo, um dos pioneiros de Marmeleiro, notório na região. Ele sempre gostou de levar uma vida tranquila, viúvo, sem filhos e aposentado há alguns anos, já não vive preso ao relógio, acorda a hora que quer, faz sua caminhada diária até à padaria e toma café quando dá vontade. Sua maneira de viver é um privilégio que muitos desejam, ser livre e ter tempo para não fazer nada.

Seu Ariosvaldo é um daqueles idosos que continuam caprichosos, independente do clima, sempre, mantém o Fusca73 brilhando. Ultimamente o homem mais enturmado do bairro Ipiranga, ficou desacorçoado: primeiro deixou o carro estacionado no boteco do gaúcho, onde uma mocinha bateu na traseira e fugiu sem dar assistência, depois os piás do morro do rato quebraram os vidros para roubar o aparelho de som. Mesmo registrando um boletim de ocorrência, ele mesmo quem ia ter que desembolsar os pilas para pagar o conserto. O que ele não imaginava é que viraria notícia até na rádio.

Devido ao seu mau jeito na coluna, teve que deixar o “fuke” sujo porque ele sentia muita dor quando se movimentava para lavá-lo. Enquanto se recuperava, achou melhor ligar para o dono da funilaria buscar o carro e fazer os reparos necessários, depois de pronto levaria ao posto de lavagem. Por mais que ele tinha bastante tempo disponível, gostava de manter uma rotina.Todas as manhãs, ele tomava chimarrão com os vizinhos, também aposentados, onde colocavam o papo em dia; mas com esses e outros pepinos para resolver, optou por ficar uns dias em casa, o que gerou uma tensão entre os moradores.

Numa manhã, Seu Genifácio, morador da terceira casa após a casa do Seu Ariosvaldo, ficou apavorado quando viu um carro preto estacionado na frente da residência do vizinho. Imediatamente, pegou o telefone e ligou para o padeiro alertando que a funerária estava ali. O padeiro, inconformado, ligou no boteco avisando que o pobre Ari havia falecido. A senhora que mora na esquina da mesma rua estava no boteco comprando pinga para fazer grostoli quando ouviu a notícia e aproveitou para informar o padre. O padre estava no apartamento dum enfermo, o enfermeiro que cuida do enfermo chegou triste em casa e contou sobre o acontecimento para seu pai que é locutor na rádio Cristal.

Em poucos minutos, Marmeleiro inteiro estava sabendo da morte do Seu Ariosvaldo. O clube da bocha organizou uma homenagem, o padre chamou os missionários para preparar a missa de corpo presente e a vizinha da frente comprou ração para alimentar os cachorros que tanto acompanhavam o Seu Ari nas caminhadas. Quando ela empurrou o portão, Seu Ari que nem sabia da própria morte, abriu a porta para atender a moradora. Minha nossa senhora! Pai nosso que estais no céu! Quanta gritaria… a mulher levou um susto tão grande, que de tão apavorada – desmaiou.

Seu Ariosvaldo começou a gritar por socorro, e todo mundo que chegava para ajudar, gritava também. Ninguém sabia ao certo o que estava sucedendo, nem Seu Ariosvaldo sabia que já era considerado um defunto. O que realmente aconteceu foi que ele chamou a funilaria para consertar o carro, e o vizinho que ainda não havia remarcado a consulta com o oculista, pensou ser o veículo da funerária. No final das contas o homem continua vivo, o único que foi assassinado foi o português.

Joceane Priamo

Joceane Priamo nasceu em Francisco Beltrão-PR, em 23 de maio de 1988. É formada em Letras Português e Literatura pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) e Pedagogia pela Faculdade Campos Elíseos (FCE), pós-graduada em Docência no Ensino Superior, Antropologia, Educação Especial e Intelectual. Em março de 2021, lançou seu primeiro livro, Francisco Beltrão entre Versos e Sonhos. Participa da coordenação da Via Poesis e como membro do Centro de Letras de Francisco Beltrão, é professora, escritora, poetisa e cronista.