CRÔNICAS

O ladrão de milho-verde

Querido leitor, hoje minhas palavras serão sinceras, posso dizer que o texto a seguir é quase uma autobiografia,já estive no lugar do personagem principal,mas resolvi classificá-lo como crônica, visto que, é um acontecimento comum, e frequentemente, acontece com muitas pessoas nos períodos em que o milho vira atração para os turistas do campo. Para aqueles que se perguntarem se estas simples linhas são totalmente reais ou fictícias, sinto muito decepcioná-los, desvendar pequenos crimes já é outra história, as conclusões ficarão por conta de quem lê.

Nesta época do ano, uma coisa é certa: a revolta dos agricultores é grande.Tudo bem se um viajante que não tem condições de comprar uma bandeja de milho no mercado e resolve pedir a doação de algumas espigas ao produtor,acredito que diante de pessoas sinceras, sempre, haverá compaixão e ninguém empobrecerá pela retirada de algumas espigas na plantação. Entretanto,perdido entre os honestos, sempre existem os abusados, que encostam as suas camionetes nas roças ao escurecer e as enchem para vender e lucrar sob o trabalho árduo dos outros.

Esse fato é muito comum, por isso, muitos colonos estão procurando métodos alternativos para proteger as suas plantações, as opções vão desde a instalação de câmeras, armares farpados e a contratação de capangas que ficam escondidos com as suas espingardas e defendem o milharal dos ladrões.

Outra situação habitual que acontece entre os moradores que vivem na roça é a troca de pequenos furtos entre os próprios produtores, digamos que esses atos são considerados crimes sem maldade e sem grandes prejuízos, visto que, existem diferentes épocas para o plantio e colheita, a maioria gosta de saborear um milho fresquinho, seja ele cozido, assado ou misturado com outros alimentos, então os produtores vivem conscientes que num dia eles vão roubar o milho do vizinho e noutro serão roubados.

Querido leitor, você deve estar se perguntando onde esta história vai chegar, saiba que não desejo falar sobre a produção agrícola da nossa região, até porque quanto menores as informações, menores são os índices de furtos. O que vou contar para você é uma pequena história que causou imensa indignação ao Seu João.

Seu João é um antigo morador da linha Farroupilha,conhecido por todos na comunidade, ele é um homem muito prestativo, ajuda àqueles que passam por dificuldades, além de prestar favores, foi convidado para ocupar o cargo de coveiro no pequeno vilarejo,mesmo não sendo assalariado, ele assumiu o compromisso de preparar as covas e os túmulos durante os funerais.

Alguns moradores sentem medo de irem parar nas mãos do Seu João, mesmo sabendo que certos fatos são inevitáveis e que ninguém foge da morte, conheço gente que relatou ter medo da morte e fugir de assombração. Foi uma situação semelhante que deixou o coveiro impiedosamente intrigado.Você, acredita que bem no período da quaresma, ele acordou com as batidas do padre na porta, o qual lhe trouxe a triste notícia que o bodegueiro da vila faleceu,o pobre homem tomou uma canja e se engasgou com um osso de galinha, e para piorar a situação não havia cova extra para enterrá-lo. Seu João, imediatamente, vestiu um macacão, pegou as ferramentas, calçou as botas sete léguas e seguiu rumo ao cemitério.

Para encurtar o trajeto, em vez de ir pela estrada, foi por um atalho no meio da roça do bodegueiro, o vizinho, agora, falecido.Observou que o milho estava firme e no ponto de maturação para cozinhar, sabia que ele era um homem piedoso e não ia se importar se ele tirasse umas espigas, assim o fez, tirou a palha, tirou o cabelo e o amontoou um feixe de milho na beira da estrada, assim que voltasse do cemitério, levaria-os para casa.

Trabalhou como de costume, depois, foi ao velório do seu amigo, disse algumas palavras de conforto e ajudou a conduzir o caixão. Quando a cerimônia fúnebre terminou, lembrou dos milhos que deixara amontoados. Despediu-se dos familiares, voltou pelo mesmo caminho para pegar as espigas. Seu João procurou, procurou, procurou e nada!

No momento em que ele estava no cemitério, um viajante passou a cavalo pelo milharal e viu algumas espigas amontoadas, prontas para comer, olhou para os lados, não avistou nenhum ser vivo, nenhuma alma penada, então as recolheu, depois parou no rio tomar água.

Seu João ouviu um barulho,mas como era acostumado com os mortos, não teve medo, nem ficou apavorado, pensou ser o defunto querendo o assombrar. De repente, avistou o cavalo sozinho com os milhos pendurados no lombo, disse bem alto: — Você é um homem morto, vá descansar, mão de vaca!

O viajante nem olhou para trás, deixou os milhos, deixou o cavalo, virou em perna, parecia o último dos quarenta ladrões de Ali Babá.Óbvio que você, querido leitor, vai associar esse feito com o ditado popular, mas não se engane, nem sempre, ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.

Joceane Priamo

Joceane Priamo nasceu em Francisco Beltrão-PR, em 23 de maio de 1988. É formada em Letras Português e Literatura pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) e Pedagogia pela Faculdade Campos Elíseos (FCE), pós-graduada em Docência no Ensino Superior, Antropologia, Educação Especial e Intelectual. Em março de 2021, lançou seu primeiro livro, Francisco Beltrão entre Versos e Sonhos. Participa da coordenação da Via Poesis e como membro do Centro de Letras de Francisco Beltrão, é professora, escritora, poetisa e cronista.