CRÔNICAS
Quando chegamos mais próximos do fim
O criador do universo deu a nós algumas certezas sobre o ciclo da vida: nascer, crescer, se reproduzir e morrer. Embora, algumas fases acabam rápido e outras levam mais tempo, esse percurso garante que tudo tem um início e um fim. Os seres humanos se distinguem dos demais seres vivos pelo alto grau de consciência, o que nos torna capazes de termos atitudes inteligentes e fazermos a diferença enquanto estamos aqui.
Nesse processo, é natural assumirmos os mais variados papéis na família, porém, existe um momento em que ocorre a inversão de responsabilidades. É normal que durante um determinado período os pais cuidam do filho indefeso que precisa conhecer o mundo, noutro os filhos cuidam dos pais para se despedirem do mundo. Essa troca de compromisso está presente em muitas famílias e mostra qual é a verdadeira ligação entre os membros, mas será que todos os filhos devolvem os cuidados que receberam?
Geralmente, quando falamos no assunto família, nos deparamos com situações embaraçosas, visto que, até hoje ninguém encontrou uma família, verdadeiramente, perfeita. Quem possui uma, sabe que mesmo tendo laços de sangue, amor e respeito, sempre haverá divergências e desentendimentos. Mesmo assim, é certo que em algum momento da vida, vamos precisar de ajuda, isso pode acontecer na infância, na velhice ou durante a nossa trajetória, necessitamos do auxílio de outras pessoas para nos cuidar, carecemos de companhia para sobreviver, precisamos de ajuda para construir ou finalizar a nossa biografia. As necessidades de proteção e amparo fazem parte da vida, os papeis são definidos, mas o que acontece na maioria das vezes, é que alguém acaba assumindo um acumulo de funções, assim, o equilíbrio entre dar e receber fica prejudicado.
Ao longo da vida, aquele que era forte, torna-se frágil e debilitado, quem era despreocupado, encontra-se sem forças para enfrentar alguns obstáculos; os mesmos braços que protegiam quando embalavam, começam a tremer; o olhar que transmitia segurança, torna-se distante e confuso;esse é o momento da retribuição, onde é a vez do filho dar banho, comida, levar ao médico, redistribuir os móveis, afastar o perigo, pegar na mão para atravessar a rua, dar remédio e dar carinho. Nesse momento, os/as filhos(as) tornassem-se pais de seus pais. Aquele que um dia foi responsável por nós quando éramos crianças passa a necessitar de cuidados como se voltasse a ser um bebê.
Parece pouco um pai cuidar de um filho até os seus dezoito anos e se tornar independente, no entanto,aparentemente, é muito um filho ter que cuidar dos pais por um mesmo período. O peso emocional da tarefa parece ser maior, mesmo podendo dividir com quem tem irmãos, sempre será desigual e o estresse domina a situação.
Esse é um fato que não tem como evitar e, sorte de quem consegue chegar até essa fase da vida. É como se um dia nascesse criança e voltasse a ser criança quando envelhece. Os pais que seguraram as nossas mãos para darmos os primeiros passos, que nos encorajaram para voarmos do ninho,um dia estarão diante de muitas impossibilidades, não conseguirão levantar da cama, tampouco subir uma escada. A finitude do tempo nos mostra que num dia chegamos, noutro partimos,nessas longas curvas da vida deixamos de sermos cuidados e nos tornamos cuidadores.
Ninguém pensa na velhice quando se é jovem e forte, mas quando a idade avança é impossível evitá-la, visto que, a imortalidade ainda não existe na face da Terra.Parece assustador falar de maneira tão fria, mas, a realidade é que a maioria dos pais recebem, alegremente, o filho com um olhar de boas-vindas e o filho com lágrimas nos olhos dá o último abraço de adeus. Ninguém possui uma receita mágica que nos prepare para ser pai de um filho, nem um filho ser pai de seu pai, este é um desafio que precisamos aprender a enfrentar, naturalmente, saberemos exercer esse papel para protegermos e estarmos por perto de quem amamos. Aquele ser que nos gerou depende de nós para morrer em paz, envelhecer é parte da despedida, mesmo que deixe um vazio em nossa alma, é a certeza que temos da vida.