CRÔNICAS
Uma companhia agradável
Ao que tudo indicava, Lilian parecia ser uma mulher comum.Acordava cedo, fazia uma caminhada no parque, tomava um café reforçado, preparava várias marmitas para a semana, passava o dia no trabalho, depois retornava para casa.
Nos dias de folga, Lílian gostava de sentar-se no banco da praça e ver as pessoas passarem,relatava numa caderneta as possíveis condições de vida de todos aqueles que cruzavam o seu caminho. Ela nunca soube se a sua imaginação estava correta ou enganada em relação às histórias que ela criava, mas isso não importava, ela simplesmente criava. Quem convivia com Lílian, logo percebia que ela tinha algumas particularidades.
Lílian não conseguia conversar com estranhos,costumava ficar quieta, apenas observando os movimentos das pessoas. Era uma mulher que pensava demais,viajava bastante no mundo das ideias e falava muito pouco. Ela não comia em restaurantes, não compartilhava objetos pessoais, não gostava de um ouvir música alta e nem de perfumes fortes, sempre levava uma toalha na bolsa, que independente do lugar, estendia antes de sentar-se.Os seus amigos achavam o seu comportamento estranho, mas respeitavam a sua maneira de viver, afinal, a sua companhia silenciosa era agradável, e todos chegavam até ela para desabafar.
Ao pôr do sol, Lílian se trancava em casa, não recebia amigos depois das 20h e nem atendia as chamadas do celular, vestia o pijama, tomava uma xícara de chá de camomila, deitava-se na cama e ficava olhando para o relógio na parede.
Depois que a cidade se acalmava e o barulho dos carros cessavam, o cansaço dominava o seu corpo.Imóvel como uma estátua, ereta no seu leito, parecia ser a bela adormecida num sono profundo, entretanto, o que ninguém sabia era que na terceira badalada do relógio, ela despertava, abria a janela, colocava o seu casaco de couro e acompanhada pela escuridão, dirigia-se até o cemitério, passeava entre os túmulos, conversava com cada uma daquelas almas penadas. Ela preferia conversar com estranhos de outra dimensão, ali, com eles, falava demasiadamente, não tinha medo de se expressar, gostava da companhia daqueles que assim como ela, apreciavam a solidão.