CONTOS

O último canto

Era um sábado à noite com muitas estrelas brilhantes no céu, mas a lua escondeu-se atrás das nuvens para descansar e ter um pouco de privacidade. Lá longe, entre muitas casas, uma vózinha preparava um bolo de fubá com café passado, o cheiro apetitoso espalhava-se pelo ambiente. No lado de fora, entre as folhas da grama-esmeralda, o maestro dos insetos sentiu-se atraído por aquele aroma, então, resolveu tirar uma folga da sua ópera para desfrutar novos ares e experimentar novos sabores.
Ele sempre foi apaixonado pelos astros, eles eram a inspirações para as suas melodias. Enquanto se sentia atraído pelas fragrâncias, viu algo arredondado brilhar perto dele, a iluminação era tão intensa que acreditou estar próximo da lua. O que mais lhe intrigava era que os humanos podiam acendê-la e apagá-la a hora que quisessem.
Ele considerava-se um grilo aventureiro, por isso, necessitava ver aquilo mais de perto e vencer os seus medos. A vida toda ele evitou ficar exposto à luz do dia, já passou muito tempo entocado entre os arbustos, o seu interior gritava por novas descobertas. Ele sempre quis desbravar o mundo e conhecer a lua de perto, embora as suas antenas lhe alertavam para o perigo, não perderia essa chance.
Aproveitou que o buraco de uma rochosa construção estava aberto para usar suas forças e saltar para dentro num êxtase desenfreado. Ouviu o seu coração pulsar acelerado, tudo era tão grande, tinha muitos panos macios caídos sobre o chão. Descobriu o lugar que poderia ser o paraíso dos grilos.
Num canto que os humanos chamavam de sala, ele avistou uma palmeira, voou sobre o vaso decorativo, escondendo-se atrás dos troncos dos bambus, o que era estranho, pois não tinha cheiro de madeira. No mesmo momento, viu a claridade, deduziu ser uma das filhas da lua que estava brilhando por ali. Ficou impressionado com os gigantes que habitavam aquele espaço e as suas enormes capacidades de controlar a natureza. Sentiu novamente o cheiro convidativo no ar, havia muitos restos de comidas espalhados pelo chão, que era o suficiente para alimentá-lo por quase a metade da sua vida.
Ouviu o som da água corrente, parecia vir de uma cachoeira, olhou para todos os lados e percebeu que um novo espaço abria-se, ligeiramente. Sem medo, ele deu um, dois, três saltos; ainda tinha neblina no ar e a água caía sobre o chão, até que a vózinha a fez desaparecer como um toque de mágica. Ficou admirado, avistando de perto a luz e a quantidade de insetos que voavam, freneticamente, ao seu redor. Num outro canto, um besouro cambaleando, tentava virar o próprio corpo pesado.
De repente ouviu passos, encostou-se atrás de uma roupa e calou-se. As suas pernas estavam paralisadas, apenas as antenas mantinham-se inquietas. Mesmo não escutando o som dos trovões, uma enorme queda d’água deslizou dentro de um objeto estranho, e a luz sumiu. Talvez se ele usasse o seu dom de cantar, atrairia o gigante para aquele espaço e a filha da lua apareceria novamente. Mesmo isolado da sua banda, acreditava na força da música, que além de atrair lindas fêmeas, trazia harmonia no mundo dos insetos. Ele não era tão potente como uma cigarra, mas tinha o seu público e os seus admiradores. Assim, o fez, e o gigante que carregava um planeta junto ao corpo mostrou a filha da lua e a luz apareceu, o brilho era tão impressionante que o silêncio tocou o seu âmago.
Entre tantas emoções, percebeu que fora avistado, o pavor dominou as suas vértebras, poderia voar para longe e escapar, mas seu corpo parecia petrificado, a lua apagou-se, ele cantou aliviado. Só conseguia ver o gigante eufórico. Talvez o humano precisava de uma melodia para alegrar a alma. Alegremente, cantou com toda a força do seu coração, mas quando pensou em ampliar o seu repertório, um pano escuro caiu sobre o seu corpo, sentiu estar encurralado.
Com a selvageria humana e o furor de um cabo de madeira o jovem grilo foi cruelmente esmagado. Pelo jeito o gigante impiedoso não apreciou o seu canto. Lá, ainda no mesmo lugar, o besouro com o corpo desvirado testemunhava o fim do grilo sonhador. Agora, um coro aguardava-o no lado de fora, e uma procissão de formigas carregavam o corpo do pequeno artista que apenas queria ver a filha da lua de perto.

Joceane Priamo

Joceane Priamo nasceu em Francisco Beltrão-PR, em 23 de maio de 1988. É formada em Letras Português e Literatura pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) e Pedagogia pela Faculdade Campos Elíseos (FCE), pós-graduada em Docência no Ensino Superior, Antropologia, Educação Especial e Intelectual. Em março de 2021, lançou seu primeiro livro, Francisco Beltrão entre Versos e Sonhos. Participa da coordenação da Via Poesis e como membro do Centro de Letras de Francisco Beltrão, é professora, escritora, poetisa e cronista.