CONTO

O menino invisível

Todos os dias, Joaquim chegava da escola, almoçava feijão, arroz e farofa, depois saía buscar o seu carrinho para vender picolés e sorvetes nas ruas da cidade.  Não importava se o calor estava escaldante, o seu sofrimento em relação ao clima era bom para os negócios, quanto maior a temperatura, maior era o número de clientes. Ele era um menino criado nas ruas, diariamente, o sol tatuava no seu corpo as marcas das suas roupas.Os seus chinelos estavam gastos, nem se importava com o prego que segurava uma das tiras, o movimento estava fraco e como tudo aumentou o valor, não lhe sobrou dinheiro para comprar chinelos novos.

Enquanto os seus colegas descansavam embaixo do ar-condicionado ou passavam o tempo livre na frente dos computadores, ele batia de porta em porta oferecendo picolés, sacolés e moreninhas. Às vezes  alguém se comovia com o seu cansaço e oferecia-lhe um copo de água. Quando o sol começava baixar, corria para o parque da Alvorada aproveitar a movimentação daqueles que saiam passear. Ele ficava admirado vendo as famílias. Família… ele nunca soube ao certo o que era ter uma família, nunca soube quem era seu pai e a mãe não era uma pessoas presente, vivia no mundo das festas e drogas, a avó era a única que lhe dava um abrigo junto a outros três filhos e sete netos, que estavam soltos ao mundo igual filhotes de animas tentando sobreviver. A rendada avó não era suficiente para alimentar tanta gente,por isso, cada um tinha que se virar, afinal, comida não surge de um toque de mágica nem cai do céu.

O mês de dezembro é oportuno para quem  para ganhar alguns trocados, no final do ano, a movimentação nas cidades aumentam. Quem sabe ele teria sorte de receber uma cesta básica, algumas pessoas precisam provar para os outros o quanto são boas, então saem por aí fazendo caridade, basta tirar uma foto com um sorriso no rosto e garantir alguns dias de almoço. Joaquim pouco se importava com as imagens, aos olhos do mundo os meninos sujos e largados sempre são invisíveis.

 No natal passado Joaquim não teve sorte, não conseguiu ganhar nenhum presente, no dia que o Papai Noel passou no bairro, ele estava na escola fazendo prova de recuperação. Teve muitas faltas devido ao trabalho, mas com muito esforço e ajuda dos professores, ele conseguiu concluir o ensino fundamental I. Mesmo assim, não reclamou, pois, a sua cartinha foi selecionada por uma família e ganhou todos os materiais escolares necessários. Neste ano ninguém rio da sua mochila velha e rasgada, pode exibir uma intacta da Hot Wheels e cadernos com capas duras.

Ele adorava ficar nas ruas centrais, ali, tudo era bonito, as lojas brilhavam com os enfeites natalinos. Um dia ele queria ter uma árvore de natal linda e enorme igual àquelas das lojas Oba Oba, com flocos de neve e bolinhas douradas. Quem sabe quando fosse adulto ele conseguiria comprar, agora, mesmo juntando o dinheiro que adquiriu durante o ano inteiro, era impossível ter uma.

A torre da Concatedral anunciava o horário da missa com sete badaladas,era véspera de natal e algumas pessoas atrasadas ainda estavam em busca de presentes.Ele parou na frente da igreja matriz, ouvindo a canção noite feliz, ficou imaginando como seria estar lá dentro, nunca foi convidado para ir à missa ou a um culto; a sua avó não era muito espiritualizada, mas tinha curiosidade, achava tão lindo aquele lugar cheio de luxo, onde as pessoas sempre iam bem arrumadas para rezar. Ele vivia sujo, não tinha nem roupa adequada para adentrar, por isso era melhor ficar ali, do lado de fora.

Dizem que nesta época do ano a magia do natal é envolvente, a praça da cidade recebe muitos visitantes. As pessoas assistem as atrações culturais, andam na roda gigante, e saem para jantar,  são tantos cheiros apetitosos espalhados pelo ar que fica difícil decidir o pedido.Lá, entre tantas pessoas, Joaquim chupou um picolé, viu um bebê junto ao seu pai e sua mãe, cercado por animais.Juntou-se a eles para descansar, o sol foi  sumindo devagar e as luzes da praça começaram a brilhar mais forte, ele olhou para o menino Jesus e começou a imaginar como seria ter um lar, ter pessoas para conversar e amar. Ele gostaria de ter uma ceia de natal, nunca comeu um Chester, mas quando via a propaganda na televisão imaginava um sabor delicioso.Será que algum dia teria alguém para brindar, rir e cantar? Não esperava nada de ninguém, trabalhou o dia inteiro, estava exausto, precisava deitar um pouco, fechou os olhos e viu uma linda estrela brilhando no céu, era tão bom sonhar que preferiu não acordar. No dia seguinte, ao lado do anjo do presépio, o carrinho de picolé estava abandonado, mas ninguém percebeu.As pessoas não viram nada diferente, seguiram os mesmos caminhos de sempre.

Joceane Priamo

Joceane Priamo nasceu em Francisco Beltrão-PR, em 23 de maio de 1988. É formada em Letras Português e Literatura pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) e Pedagogia pela Faculdade Campos Elíseos (FCE), pós-graduada em Docência no Ensino Superior, Antropologia, Educação Especial e Intelectual. Em março de 2021, lançou seu primeiro livro, Francisco Beltrão entre Versos e Sonhos. Participa da coordenação da Via Poesis e como membro do Centro de Letras de Francisco Beltrão, é professora, escritora, poetisa e cronista.