CRÔNICAS
Álbum de fotografias
Amélia estava olhando o álbum de fotografias, aqueles analógicos que eram revelados com os filmes da Kodak, onde não arquivavam apenas fotos, entre as folhas de plástico, encontravam-se postais, selos, cartas e outros objetos importantes para recordação. Conforme ia virando as páginas amareladas, lembranças iam surgindo. O álbum ia se transformando num filme em sua cabeça, um esboço da vida gravado num papel.
Imagens em preto e branco, coloridas e até tremidas revelavam momentos importantes que deixavam saudades dos anos que não voltam mais. Saudades, muitas saudades são o que uma senhora de oitenta e dois anos sente ao ver retratos de toda sua trajetória. Muitas pessoas tornaram-se apenas uma memória, pois já não fazem parte desta existência. Apesar da experiência muitas perguntas ficaram sem respostas.
Ao longo dos anos cada indivíduo constrói uma história, nem sempre sabemos o que é certo ou errado, a única certeza que temos é que existe o nascimento, a trajetória e a morte. Qual é a imagem que deixamos quando vamos embora deste mundo? Que sentimento vem quando pronunciamos um nome de alguém que já se foi? A morte traz alívio ou saudade?
Amélia fez esses questionamentos quando se deparou com uma foto da pré-escola, ali, por instantes, viajou para longe ao ver àquela lembrança; vestida de caipirinha, estava com os olhos fixos em seu coleguinha Otávio, que ao seu lado, segurava o chapéu e a sua mãozinha tão delicada, hoje, enrugada pelo tempo. Lembrou-se daquele dia com tanta alegria que sentiu seu âmago esquentar.
Depois de tantos anos, uma pergunta lhe veio à mente: – Será que existe idade certa para amar? Ela tinha apenas cinco anos e via naquele menino o amor puro e verdadeiro. Ele era a dose de felicidade diária que impulsionava a sua ida para escola. Quando ele chegava à sala de aula, sentava numa cadeira na fila ao lado, onde podiam trocar materiais e muitas conversas. Durante o recreio dividiam o lanche e corriam pelo pátio da escola como se não houvesse ninguém, brincavam de esconde-esconde, pega-pega e roda cotia, depois da aula, iam juntos até o portão para encontrar os pais, despediam-se com um aceno e um sorriso no rosto.
Gestos inocentes, distantes de qualquer maldade, mantiveram uma linda relação de amizade por sete anos. Um dia, o mundo transformou-se, e tudo virou de cabeça para baixo. A coordenadora veio até a sala de aula, pediu que Otávio guardasse o material e lhe acompanhasse, minutos depois, Amélia também foi chamada a retirar-se da sala, não fazia ideia que aquele seria o último dia com seu amigo, não imaginava que o coração ficaria tão dolorido.
Os pais de Otávio estavam mudando de cidade e ele iria embora, ficaram com os olhos cheios de lágrimas e com um vazio inexplicável no peito, apenas se abraçaram e juraram nunca esquecerem um do outro. Ele deu um beijo no rosto de Amélia, que ela ainda mantém guardado no coração, seu melhor amigo virou-se e foi embora com a família. Depois daquele dia, nunca mais se viram. Amélia não teve notícias de Otávio, nunca soube como foi à vida dele, se casou, se teve filhos, se ainda está vivo.
Surgem tantas pessoas no caminho durante a existência que quando estamos ao lado delas não temos a consciência de que serão passageiras. Algumas permanecem ao nosso lado a vida inteira, outras, apenas deixam marcas no tempo.
Amélia abraçou aquele álbum contra o peito, tentou imaginar como estaria aquele doce e gentil menino. Será que ele cumpriu a promessa e ainda se lembrava dela? Deu um suspiro de satisfação e fechou os olhos.