ALETHEIA
O Homem Cordial
Havia 3 anos que eram casados, e, até então, jamais tinha permitido haver intercorrências truculentas de sua parte na relação. Anderson sempre fora muito cordial e paciente à esposa. Nascido da classe média paulista, soubera desde cedo como tratar uma mulher com dignidade.
Carla, entretanto, era estourada. Não se podia respirar diferente do normal e a pequena mulher retrucava: “algum problema?”.
O Estranhamento
Acontece que com os dois, o amor surgira no final do ensino médio, quando as paixões ainda eram ardentes e os boletos não eram a bola da vez. Após o colégio, veio o casamento. E como consequência, um novo ar de realização.
Isso até os três anos de matrimônio, quando Anderson notou atitudes diferentes na mulher.
Carla, que antes tinha pavio curto, agora estava mansa, domesticada. Já não se irritava com a roupa no varal nas vésperas da chuva, ou com a louça suja que ficava na pia até o final do dia. E isso, longe do costume, fez com que Anderson abrisse o olho.
“Mas que diabo, o que será que mordeu essa mulher?”, pensava.
A verdade é que, com o gênio rústico da esposa, Anderson havia sido moldado ao tratamento não afetuoso. E, diante do novo cenário, resolveu investigar.
Sonambulismo
Certo dia, ao retornar para casa mais tarde que o convencional, Anderson deu de cara com Carla dormindo. Cuidando para não fazer barulho e acordar a amada, foi preparando-se para o banho e o descanso merecido, até que pegou a esposa falando, no mais explícito sonambulismo:
– Me beija, me beija… Bento, me beija…
Investigação
Instigado pelo ocorrido, ficando em claro a madrugada, perplexo, Anderson resolveu voltar mais cedo do trabalho no dia seguinte.
À espreita, trinta metros de casa, observou atentamente ao movimento da rua, se alguém adentraria o portão de seu domicílio.
“Estou ficando louco, ela não seria capaz de fazer isso”, pensou, quando já aguardava há quarenta minutos. Todavia, antes de desistir da investigação, vê alguém no final da rua, caminhando em direção a sua casa. “Será o tal Bento?”, argumentou, com a palpitação que só quem suspeita a traição sente.
Dito e feito: o homem misterioso abre o portão e adentra à casa, há duas horas do horário que Anderson usualmente chegava do trabalho.
Educação e Paciência
Caminhando em passos largos, Anderson escondeu-se do lado de fora da janela do quarto em que nitidamente ouvia-se vozes e ruídos íntimos.
O ato se concretizava diante de si, e sem que ousasse interferir, esperou cordialmente do lado de fora da porta da casa.
Ao abrir a porta, o homem dá de cara com Anderson. Era a vista do réu e do juiz, do Cristo e de Pilatos, da vítima e do assassino. E, com cordialidade, Anderson desferiu a jugular do homem com um punhal, matando-o em poucos minutos, sob os prantos de Carla que, semi-nua, foi apunhalada pelo marido logo ao levantar-se do corpo gélido do amante.
Afinal, Anderson era cordial. Jamais interromperia o espetáculo do adultério revelado.