POEMA
Sonhar e viver a morte
Viver naquela ilha em meio ao deserto de água
Na chatice do nascer e pôr do sol
Com a mesma rotina todos os dias
Tornava a solidão algo terrível
Às vezes ele fazia incursões mais longas
Tendo como limite o cansaço
Porque era sempre preciso voltar para a caverna
Onde o fogo trazia as sombras como companheiras
Toda uma vida agora está perdida na memória
Ele sabia ainda buscar o necessário para viver
Até amarrou bambus pensando em navegar na imensidão
E quando pensou nos suprimentos desistiu
Outro dia numa trilha de suas incursões
Viu no alto o macaco já sem vida num emaranhado cipoal
Aquilo chocou ao mesmo tempo em que trouxe a felicidade
Felicidade de poder escolher um fim para sua tortura
Trançou cordas e foi para o alto do penhasco
Trazia uma bananeira de sua altura nas costas
Lançou a bananeira envolta nas cordas
E ela balançou como um pêndulo sem cair
O treinamento passou a ser diário
Enquanto lá embaixo o mar cinzelava a rocha
Talhando esculturas milenares
Ele na dúvida voltava com outra bananeira
Sonhava todas as noites
Com um campo florido de azul e branco
Uma mulher pairava no ar perto das flores
Feliz ele queria ficar ali para sempre
Uma manhã cinzenta com brumas anunciava o grande dia
Resolveu subir com as cordas envoltas no corpo
Já não via o mar lá de cima e o som era baixo
Uma voz gritou lá de baixo: hoje é seu dia de sorte
A vida em sua importância precisa ser coroada
Pule aqui na água que pego você
Iremos para onde quiser
Onde possa realizar todos os seus sonhos
Ele sem pestanejar mergulhou nas brumas
O som abafado silenciou toda a ilha
Ainda olhou e viu um vulto na barca
“Venha, vamos embora!” disse a morte.
Num salto ele saiu da cama
O dia ainda não havia nascido em sua xícara de café
Seguiu sua rotina matinal apressado e saiu
Morreu ao atravessar a rua nas brumas
Cláudio Loes